Jaqueline Tiago Ribeiro
17 de nov de 20234 min
Situada no coração da Amazônia, Parintins (AM), cidade conhecida pelo vibrante festival folclórico, enfrenta desafios consideráveis na gestão de resíduos sólidos, especialmente com a presença notória de uma lixeira a céu aberto nas proximidades da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e de residências.
Com uma população de 96,3 mil habitantes, de acordo com o último censo, os impactos dessa situação são sentidos profundamente pela comunidade. Em entrevista, um residente próximo à lixeira compartilhou suas inquietações, destacando as preocupações com a saúde e a qualidade de vida da população local.
Essa questão ganha ainda mais relevância em uma cidade onde o festival folclórico atrai olhares de todo o Brasil. A urgência de encontrar soluções para essa problemática ambiental é evidente, à medida que a comunidade busca preservar a identidade cultural única de Parintins e garantir um ambiente saudável para todos os seus habitantes
Em 2019, durante a abertura da Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, a prefeitura de Parintins firmou um compromisso significativo. Autoridades locais assinaram um Termo de Ajustamento de Gestão (TAG) com o Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), visando resolver as questões relacionadas ao lixão.
Essa iniciativa estava em conformidade com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), um marco regulatório que estabelece diretrizes para o manejo sustentável dos resíduos no país.
Além da construção de um novo aterro sanitário, o acordo previa a adoção de medidas de remediacões no bairro Djard Vieira, totalmente prejudicado com o lixão a céu aberto, e a implantação de um projeto de coleta seletiva na cidade.
Contudo, até o presente momento, as metas delineadas não foram alcançadas. A falta de implementação efetiva e as alegações de escassez de recursos evidenciam a necessidade premente de uma ação mais eficaz por parte das esferas estaduais e federais.
Em 2022, a prefeitura de Parintins admitiu que não há área adequada para a instalação de aterro sanitário na zona urbana do município. Meses depois, o governo do Amazonas prometeu destinar R$ 60 milhões para a construção de um complexo de tratamento de resíduos sólidos.
A saída proposta pela gestão estadual é a pirólise, método que consiste na transformação de resíduos em biocombustíveis. Segundo Marcellus Campêlo, coordenador da Unidade Gestora de Projetos Especiais (UGPE), o processo permite que os resíduos sejam submetidos à queima com baixo ou nenhum teor de oxigênio, sob temperaturas que podem chegar a 1.000 ºC.
Segundo o governo do Amazonas, a previsão, no entanto, é que as obras iniciem no primeiro semestre de 2024. O projeto se encontra em fase de preparação do contrato de empréstimo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
O não cumprimento desses compromissos não apenas compromete a saúde ambiental de Parintins, mas também destaca a necessidade de uma revisão das estratégias e recursos destinados à implementação da PNRS.
A efetivação dessa legislação, concebida para promover uma gestão sustentável e responsável dos resíduos, requer a colaboração efetiva de todas as instâncias governamentais para garantir resultados tangíveis e positivos para a comunidade.
Segundo Lázaro Augusto Ferreira, subsecretário da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos (Semosp), Parintins enfrenta a coleta diária de cerca de 85 toneladas de resíduos sólidos, uma média considerável para uma cidade com desafios financeiros.
Durante os dias de disputa entre os bumbás Caprichoso e Garantido, essa quantidade dobra, colocando mais pressão sobre a infraestrutura já sobrecarregada.
A implementação de um aterro sanitário é um grande desafio, envolvendo questões logísticas e falta de investimento. Em entrevista, a secretária de Meio Ambiente de Parintins, Socorro Carvalho, indica a necessidade de um caminhão específico para coleta seletiva, ressaltando a resistência da população em adotar práticas mais sustentáveis.
Diversas vozes na comunidade destacam os desafios enfrentados em Parintins e os esforços do movimento social para lidar com questões relacionadas à gestão de resíduos sólidos. Segundo o professor Ivamilton Araújo, do Instituto Federal do Amazonas (Ifam), a busca por autonomia é um passo crucial para uma transformação mais profunda na comunidade.
O ativista Rodolfo Costa, liderança do movimento Amigos da Francesa, destaca a importância de sensibilizar os feirantes sobre a gestão adequada de resíduos sólidos, visando melhorar a qualidade ambiental da cidade.
Outras mobilizações tomam conta da Ilha Tupinambarana. É o caso do Instituto Rally Ambiental, que, apesar das limitações financeiras, realiza ações como arrastões de limpeza e projetos ambientais, influenciando positivamente as comunidades vizinhas.
A Associação dos Catadores de Parintins (Ascalpin) , sob a liderança de sua presidente Marcivone Seixas, está expandindo suas atividades. Mesmo enfrentando desafios de transporte e recursos limitados, o coletivo almeja construir um galpão próprio para fomentar o serviço de reciclagem.
O papel desempenhado por essas organizações destaca a necessidade de esforços coletivos para promover práticas sustentáveis e superar os obstáculos enfrentados na gestão de resíduos sólidos em Parintins.
Na visão de Socorro Carvalho, o foco está em iniciativas educacionais, sobretudo em escolas, com o objetivo de sensibilizar a população sobre a importância da coleta seletiva. A secretaria se depara, contudo, com resistência de parte da comunidade, agravada pela carência de um caminhão especializado.
Já o subsecretário da Semosp reforça as dificuldades financeiras enfrentadas e ressalta a urgência de conscientizar a população sobre a maneira correta de descartar resíduos. Em suas declarações, ele destaca a carência de tratamento adequado do lixo e evidencia a resistência generalizada à adoção de hábitos mais sustentáveis.
Essas barreiras financeiras e resistências culturais emergem como obstáculos cruciais a serem superados para avançar na gestão efetiva de resíduos sólidos em Parintins.
À medida que Parintins se encontra em suspense, aguardando a concretização das ações propostas no TAG de 2019, a gestão de resíduos sólidos permanece num estado crítico.
Os esforços incessantes dos movimentos ambientais, da associação de catadores, e até mesmo dos catadores informais, aliados à conscientização crescente da população, refletem a busca por soluções locais. No entanto, a concretização desses esforços depende crucialmente de investimentos adequados e apoio consistente das esferas superiores.
O desafio de transformar Parintins em uma cidade sustentável exige ações coletivas e mudanças estruturais. A população, os ativistas ambientais e as organizações locais têm um papel vital nessa jornada.
À medida que a cidade se esforça para superar obstáculos financeiros e culturais, o compromisso com a gestão eficaz de resíduos sólidos emerge como um pilar essencial para garantir um futuro mais limpo, saudável e sustentável para Parintins e para as gerações que a chamam de lar.
Esta reportagem foi produzida com o apoio da bolsa de reportagem Conceição Derzi, realizada pela Abaré - Escola de Jornalismo.