Mobilização de lideranças indígenas em todo o país busca pintar de urucum o cenário político
Ser indígena em qualquer sociedade colonizada é uma constante luta para a garantia de direitos que muitas vezes são defendidos por seus iguais, outros estão na busca por um mínimo de reconhecimento, respeito e sobrevivência em terras que lhes pertencem originalmente.
Os indígenas passaram a ter um capítulo específico na Constituição apenas em 1988. Mesmo assim, a realidade dos povos originários do Brasil é marcada pelas violações de direitos.
A falta de representatividade indígena em cargos políticos é um dos problemas que acarreta na dificuldade de acesso à Justiça e à garantia de direitos. Atualmente, a única representante indígena no Congresso Nacional é a advogada e deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR). Eleita em 2018 com 8.491 votos, a parlamentar tenta a reeleição em 2022.
Articulação por mais representatividade
Diante do cenário político atual, os movimentos indígenas vêm se organizando para deixar no passado o histórico de exclusão enquanto porta-vozes de seus interesses e de sub-representação nos parlamentos.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), por exemplo, lançou 30 candidaturas indígenas de 31 etnias de todo o Brasil, sendo duas do Amazonas, representadas por Vanda Witoto (Rede), que disputa uma vaga de deputada federal, e Marcos Apurinã (PSC), que concorre para deputado estadual.
Os candidatos são apoiados pela “Campanha Indígena 2022”, projeto voltado à formação, articulação e construção de estratégias de luta política para ocupação de espaços de decisão e representatividade na sociedade brasileira por lideranças indígenas.
Protagonismo feminino
Neste ano, as mulheres indígenas também estão em busca das defesas de suas causas e do protagonismo na política regional. Pertencente ao povo Kokama, Perpétua Suni (PDT), 50, é uma das mulheres indígenas que tenta uma vaga para deputada federal.
Suni é da comunidade Recreio, no município de São Paulo de Olivença, no Alto Solimões. Ela conta que decidiu concorrer às eleições pela falta de representação indígena dentro da política partidária e também na Assembleia do Amazonas.
“Nós, como povos indígenas, também fazemos parte dessa sociedade, portanto, temos que estar inseridos dentro [do sistema político]. Nós somos uma população muito grande, mas não temos um representante indígena no espaço estadual”, diz Suni.
Entre as pautas defendidas pela candidata estão a valorização da cultura e de artistas regionais, principalmente de indígenas e da população periférica, além da defesa e preservação do meio ambiente para as futuras gerações.
Suni também destaca a segurança como sua pauta de urgência, em especial para a proteção das pessoas que trafegam pelo Alto Solimões, pois, segundo ela, atualmente a região se tornou bastante perigosa para os viajantes.
“Hoje, você viajar para o Alto Solimões é muito arriscado, muita matança no rio. Quando a gente viaja, tem que viajar no escuro, durante a noite, com medo dos piratas, pois é muita matança devido ao tráfico, devido à mineração. É isso que nós devemos fazer com urgência”, explicou a candidata.
Aumento de candidaturas
As eleições gerais deste ano registraram 184 candidaturas indígenas. O que corresponde a 0,63% do total de candidaturas, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Esse já é o maior número de candidaturas desde 2014, período que começou a autodeclaração racial do candidato. E, pela primeira vez, os indígenas deixaram de ser o grupo menos representado entre candidatos.
Em 2014, foram registrados 85 candidatos autodeclarados indígenas, o que correspondia a 0,32% do total. Já em 2018, foram 133 candidatos indígenas em todo o país (0,46%).
No Amazonas, estado com a maior densidade de povos originários do país, das 644 candidaturas das eleições deste ano, apenas 19 são de indígenas. Duas a mais que as registradas nas eleições federais de 2018.
O PDT e o PSC foram os partidos que mais lançaram candidaturas indígenas, sendo sete candidatos nas duas siglas. Entre as candidaturas no geral, seis são para deputado federal e 11 para vagas na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam).
Pelo Psol, Israel Tuyuka concorre ao governo do estado. Já pelo PT, Anne Moura é candidata ao cargo de vice-governadora na chapa de Eduardo Braga (MDB).
Fora das estatísticas
Apesar dos dados mostrarem aumento nas candidaturas indígenas nas eleições deste ano, é preciso também destacar candidaturas que não entram nas estatísticas do TSE.
Como é o caso da Marinete Almeida (PT), 33, do povo Tukano, que concorre nas eleições por uma bancada coletiva de mulheres do Amazonas e não entra nos dados presente do TSE.
Marinete, que atualmente reside em Manaus, nasceu na aldeia Jutica, no Alto rio Waupes, na região de São Gabriel da Cachoeira, e é candidata a codeputada estadual pela Bancada Amazônida.
Fazem parte da bancada sete mulheres, sendo seis negras e quilombola e uma indígena.
"Temos sete caminhos de trajetória. As nossas pautas e luta vem contra todo tipo de violência sofrido pelas mulheres, crianças e adolescentes, LGBTQIA+ e deficientes. Pelo a direito ao trabalho digno e leis para toda classe trabalhadora, pelo direito a vida e dignidade para os povos originários, negros, ribeirinhos e moradores das periferias”, comenta Marinete.
Assim como para Suni, Marinete entrou para a disputa nas eleições pela luta de ocupação de mulheres indígenas no parlamento e no espaço da política partidária.
"Somos poucas mulheres indígenas nos debates de decisões em pró do povo originário. A redução de candidaturas de mulheres em partidos políticos me impulsiona a cada dia, lutar para que nós mulheres indígenas ou não possamos ocupar igualmente os cargos políticos", explicou.
Política para a realidade
A candidata ressalta sobre a necessidade de reconhecimento dos indígenas em contexto urbano para garantia dos direitos para expressar suas culturas nos espaços. Ela menciona a saúde, educação e segurança das populares tradicionais como pautas urgentes a serem debatidos.
“É por isso que persisto em estar nesses espaços de decisão política partidários. E, como militante de movimento social, vejo que é necessário e essencial que a mulher indígena esteja de fato presente nas decisões políticas para que possamos nós próprios fazermos nossas leis e para que essas leis sejam executadas de fato”, finaliza Marinete.
Além do número no aumento de indígenas que concorrem aos cargos políticos, as eleições de 2022 mostram que as populações tradicionais há muito tempo já vêm se organizando coletivamente e politicamente para repaginar as instituições ditas “democráticas” do país demarcando as urnas e pintando a política de urucum.
O futuro é indígena e como bem disse Ailton Krenak: “Enquanto tiver gente por aqui (Brasil), nós (indígenas) estaremos aqui”.
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